quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Triste como um palhaço

Quero escrever o que não consigo dizer. Apetece-me abrir, como um livro em branco e a cada palavra uma emoção. Um significado, um pedaço de ficção tornado real. Sinto-me a desfalecer, como um sobrevivente num barco no meio de uma tempestade, onde sabe que só um milagre o fará sobreviver. Porque sou assim? Porque não consigo controlar-me, tento sempre algo com medo das pessoas não gostem mim. Não quis sofrer mais, por isso decidi afastar-me de toda a gente. Agora em vez de um coração tenho uma pedra. Difícil será pedir ajuda, mas porque fujo de tudo e de todos. Não enfrento os meus medos. Sempre a fugir, mas os problemas não desaparecem, apenas adormecem num sono leve. Continuamente dormindo, até um dia que acorda. Mais furioso, que um bebé com sono. Será que um dia vou acordar para a vida? Será que algum dia, vou deixar de fugir. De não precisar de me esconder por detrás duma máscara. Algum dia terei paz, comigo mesmo. Procuro o que? Escondo-me do que? Do sofrimento?! Mas senão sofrer não viverei, ficará sempre a angústia de poder ter feito algo mais, ser capaz de ter feito outra coisa para me mudar a mim. Então o que me falta? Não sei, não me conheço, e muito menos sei quem fui, sou ou serei. Sou um sentimentalista barato, daqueles livros que se compram, mesmo não sabendo o fim são todos iguais e terminaram de certeza da mesma maneira. Só muda o conteúdo, a forma do conteúdo é sempre mesma. Devo ser mesmo uma criancinha, não amadureci o suficiente. Não cresci em termos mentais. Se calhar não vivo, sobrevivo. Vou sobrevivendo, não questionando, não esticando a corda. Se calhar limito-me a seguir as pesadas dos outros. Em vez de ter uma personalidade própria. Se calhar também por ter mentido, muito a mim próprio agora já não sei quem sou. Perdi-me no caminho, e agora não sei o caminho de volta. Um circulo vicioso, onde já não se sabe onde começou e onde acaba. Ainda terei a tempo, de me encaminhar e não me perder de vez?
Alguém saberá me dar essa resposta e tantas outras que eu não sei. Talvez não tenha procurado bem, ou não tenho procurado nos sítios certos. O lamentar não me ajuda em nada, só faz com que tenha pena do que estou a ser neste momento. O frio passou, o frio que tinha quando comecei a escrever, mas o gelo dentro de mim, a angústia, a tristeza, o sofrimento continua. Não há alegria nos meus olhos, como num dia cinzento onde só chove. Em que a minha cara são as gotas, que caíram nesse dia de temporal. Onde o sol se escondeu, tornou-se cinzento, carregado. Não há cores vivas, mas sim cores mórbidas. Algum dia terei gostado de alguém realmente? Sim, apesar de tudo não sou assim tão frio. Da minha família, dos meus verdadeiros amigos, desses gostei. Então quando deixei de gostar? Quando deixei de ter interesse na vida? Quando passei a sobreviver, como um náufrago onde só ver mar e mar e mais mar. Mas acredito que sobreviverei, mas já não tenho a certeza de nada.


http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=3934 )

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O mar


Há um mistério todo especial
Navegando em mim.
Rema, rema sem parar,
Parece que não cansa...
Não sei onde quer chegar.

Mesmo sendo esse meu mar íntimo,
Lugar perigoso, imprevisível...
Navega sem parar,
Sem receio, sem medo ou indecisão.
Rema... rema sem cessar.

E as vezes calmo, tranqüilo, se entrega
Meu mar curioso,
À espera de em algum canto aportar,
Esse mistério que não cede.
Rema... rema para algum lugar.

Impaciente, provoco tempestades.
Ondas gigantes,
E vendavais repentinos.
Mas nada contém esses remos...
Que remam... não desistem de me navegar.

Talvez ele não me veja realmente.
Ou não deseje mesmo parar.
Esse mistério que tanto me desbrava...
E não descansa, e não chega,
Só queira mesmo manter agitado e vivo
O meu mar.


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Navegar é preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: 
"Navegar é preciso; viver não é preciso."

Quero para mim o espírito desta frase, transformada 
A forma para a casar com o que eu sou: Viver não 
É necessário; o que é necessário é criar. 

Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. 
Só quero torná-la grande, ainda que para isso 
Tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. 

Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso 
Tenha de a perder como minha. 

Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho 
Na essência anímica do meu sangue o propósito 
Impessoal de engrandecer a pátria e contribuir 
Para a evolução da humanidade. 

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.



Autor:Fernando Pessoa

sábado, 20 de novembro de 2010

As garças

“Garça”

No finalzinho da tarde eu vejo a revoada. Aqueles pescoços compridos todos encolhidos. Estão indo para o ninhal. O vôo é lindo, tranqüilo, sem alvoroço. Daqui de baixo o bico é amarelo e longo, parece um punhal de tão fino. As aves são o que comem. Cada bico tem uma função e uma forma. As penas são brancas e as patas pretinhas. Ela é enorme, talvez um metro. É uma garça.

Poesia voando. Poesia planando. Poesia pescando. No alto do bambuzal foram feitos os ninhos das grandes. Fica a uns oito metros do chão. Na metade do caminho moram as pequenas. A diferença é que o bico da pequena é preto e ela é a metade da outra. No ninho feito de gravetos mais ou menos arrumados, ficam uns 3-6 ovos claros. Por favor, me entendam, as grandes são de uma espécie e as pequenas são de outra.

Existem muitos tipos de garças, e tem até cidade com nome dela. São lindas, gosto das duas que falei acima e também da vaqueira. Aquela que come carrapato do boi, mas essa não mora na água e nem faz ninho nas árvores. Ela é africana, importada, chegou no Brasil quando ele nasceu, em 63. A diferença é o peito amarelo. Garça de verdade é toda branca, noivinha.

Garças fêmea e machos se enfeitam no período do acasalamento, pluminhas fofas aparecem no peito e nas costas. Fazem um penacho no pescoço e na cauda também. Chamam-se egretas, essas penas. Deu-me pena saber que muita gente caçou essas meninas só para tirar os enfeites. Maldade da grossa.

Mesmo morando no lodo e pescando peixinho elas estão sempre limpinhas. É que tem uma substância, um pozinho azul, que elas passam nas plumas. O dedo do meio do pé é especial para isso, existem umas serrinhas em forma de pente. Elas não mergulham e nem filtram água. Só fincam.

Fincada de garça é igual flechada no coração. Não tem erro não. E se a voz delas é um cacarejo meio grosso, meio duro, é só fita. Elas são dóceis e belas. Na cidade em que ele nasceu tem um clube chamado Jaó, elas se juntam lá para dormir. Centenas delas, uma alvura total.

Eu quando durmo sonho sempre. Ninguém consegue adivinhar os sonhos e nem impedi-los, né? Acho que a vida inteira vou dormir no branco e sonhar colorido. Igual garça que voa no azul e desce no verde para deitar.

Autor: JB Alencastro

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A mulher..

Ser mulher é ser tudo, condensado em delicados frascos de poesia.
Ser mulher é parir com lágrimas de amor e alimentar seu rebento com sua própria sina;
Ser mulher é um encontro com o divino, ser a mãe redentora que acalenta o filho, independente de sua idade;
Ser mulher é ser gata no cio, e não ter presas as pernas na hora das verdades;
Ser mulher é ambicionar o mar, e navegar infinitamente sem fronteiras;
Ser mulher é rezar o terço, e ocultar as chagas íntimas das tristezas;
Ser mulher é sorrir com dentes pálidos, e ver as rugas brotando como sementes orgulhosas;
Ser mulher é lacunar seus medos, não sentir o pendor nos seios, nem o útero à mostra;
Ser mulher é algo cármico, delicado e tão voraz;como um buquê de rosas;
Ser mulher é ser poesia ao acaso, e ser amante dos ventos de outro mar...
Ser mulher é sorrir nas horas tristes e chorar nas alegres só pra dar o que falar;
Ser mulher é jorrar o sangue que traz vida, numa alma parida, sob as chamas da paixão;
Ser mulher é ser virgem impassível e nebulosa e invencível sob a luz na escuridão!
Ser mulher é sair dos artifícios, ser verdadeira sem os vícios...
Na intensidade d'emoção!

(Ledalge,http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=31341)

O bombeiro.


Desejava que pudesses ver a tristeza de um homem de negócios quando o
trabalho da sua vida desaparece em chamas ou uma família que regressa a casa
e apenas encontrar a sua casa e os seus pertences danificados ou destruídos.
Desejava que pudesses saber o que é procurar num quarto a arder por crianças
presas... As chamas por cima da tua cabeça, as palmas das mãos e os joelhos
a queimaram enquanto tu rastejas... O chão a ranger com o teu peso, enquanto
a cozinha arde por baixo de ti.
Desejava que pudesses compreender o horror de uma esposa quando às 3 da
manhã verifica que o marido não tem pulso... Inicio o S.B.V. (suporte básico
de vida) no mesmo, esperando uma hipótese muito remota de trazê-lo de
volta... Sabendo instintivamente que era tarde demais... Mas querendo que a
família soubesse que tudo o que era possível foi feito.
Desejava que pudesses saber o cheiro único de uma queimadura, o gosto da
saliva com sabor a fuligem... Sentir o intenso calor que passa através do
equipamento, o som dos estalos das chamas, a sensação de não conseguir ver
absolutamente nada através do fumo denso... Sensações que se tornaram muito
familiares para mim...
Desejava que pudesses compreender como nos sentimos ao ir para o trabalho de
manhã após passarmos a maior parte da noite suando com o calor de diversas
chamadas de fogo...
Desejava que pudesses ler o meu pensamento quando respondo a uma chamada
para um edifício a arder, "Será falso alarme ou um enorme incêndio? Como
será a construção do edifício? Que perigos esperam por mim? Estará alguém lá
dentro ou saíram todos?"
"Ou para uma chamada de socorro," o que se passará com o doente? Será que a
pessoa que telefonou está mesmo em apuros ou estará à minha espera com uma
arma?".
Desejava que pudesses estar na sala de reanimação quando o médico decide
anunciar a morte da linda menina de cinco anos que tenho tentado salvar
durante os 25 minutos anteriores, e que nunca irá ter o seu primeiro
namorado, nem nunca mais irá dizer "gosto muito de ti, mãe"...
Desejava que pudesses saber a frustração que sinto na cabina do autotanque,
o motorista com o acelerador a fundo, o meu braço a tocar a sirene vezes sem
conta quando não se consegue passar por um cruzamento ou no meio do
transito. Quando vocês precisam de nós, no entanto, o primeiro comentário
quando chegamos será "levaram muito tempo para cá chegar".
Desejava que pudesses ler os meus pensamentos enquanto ajudo a retirar os
restos de uma jovem do seu veiculo contorcido, "e se fosse a minha irmã, a
minha namorada ou alguma amiga? Qual será a reacção dos seus pais quando
abrirem a porta e verem os policias?"
Desejava que pudesses saber como é entrar em casa e cumprimentar a família
não tendo coragem para lhes dizer que quase não voltei da ultima chamada.
Desejava que pudesses sentir os meus sentimentos quando as pessoas
verbalmente, e às vezes fisicamente, nos maltratam ou subestimam o que
fazemos, ou quando têm a atitude "isto nunca me aconteceria".
Desejava que pudesses perceber a instabilidade mental, emocional e física de
refeições perdidas, sonos perdidos e a falta de actividades sociais
associadas todas as tragédias que os meus olhos já viram.
Desejava que pudesses saber a irmandade que existe e a satisfação de ajudar
a salvar uma vida, a preservar as coisas de alguém, a estar "lá" nos tempos
de crise ou a criar ordem quando existe um caos total.
Desejava que pudesses compreender como nos sentimos quando temos uma criança
a puxar-nos o braço e a perguntar "a minha mãe está bem?" sem sequer de
conseguir olhar nos seus olhos sem deixar cair umas lágrimas e sem saber o
que responder. Ou ter de segurar um amigo de longa data enquanto o seu
companheiro vai na ambulância a receber respiração boca-a-boca. Sabendo de
antemão que ele não trazia o cinto de segurança posto.
Sensações que me ficaram muito familiares...
A menos que tenha vivido este tipo de vida, nunca conseguirás entender
verdadeiramente ou apreciar QUEM EU SOU, O QUE NÓS SOMOS OU O QUE O NOSSO
TRABALHO SIGNIFICA REALMENTE PARA NÓS…

Desejava que pudesses ver...






Uma tela pintada a tinta acrílica :)





Mas talvez seja melhor começar pelo principio e ir ao verdadeiro Âmago da questão, fonte da pastelada nacional que ataca seres animais ou não no Portugal e que são as próprias pastelarias.Basta entrar num café de esquina para ser perceber imediatamente que a Europa ficou de fora e provavelmente nunca conseguirá entrar. Papéis no chão, beatas pro todos os lados, empregados suados e de cabelo oleoso, colónia de moscas exibindo bailados moribundos, homens façanhudos a beber bicas e a fumar SG's, mulheres redondas e de expressão bovina a devorar bolos do género quanto-mais-creme-melhor, crianças sujas e malcriadas a incomodar a mesa do lado, etc,etc. No ar pesado e sufocante, o ruído sobe ate ao tecto, abafando a morte recorrente dos insectos na chapa eléctrica que os grelha sem qualquer fim culinário.

E eis que entra um bando de adolescentes chilreantes, que aproveitam um furo ou uma balda para fumar uma cigarrada, beber a infalível bica e dizer mal dos professores e coleguinhas.
Outro animal que frequenta este habitat pestilento é o empregado de escritório,categoria administrativo, que chega a meio da manhã, esfregando as mãozinhas pela fuga à revelia, juntamente com mais um ou dois colegas da secção. Neste pequeno momento de felicidade que é a ida ao café, estes operários de secretária sentam-se confortavelmente nas cadeiras de fórmica castanho caca de bebé, apoiando os cotovelos na milimétrica mesinha que faz conjunto com o cadeirame, fumando selvaticamente e praguejando contra o chefe que não deu pela fuga dos seus assalariados.
Há ainda outro personagem obrigatório neste cenário: a senhora do cão a pilhas. A senhora do cão a pilhas, que é geralmente viúva, divorciada ou avençada, chega ao fim da manha depois de uma rebuscada e imaginativa toilette e come um duchese, duas tíbias e três palmieres recheados, tudo empurrado por um galão de máquina, enquanto conta a sua vida aos empregados que lhe vendem piropos e já não sabem o que lhe dizer.
No balcão estão expostos todos os artigos de doçaria susceptíveis de provocar altos níveis de colesterol, invariavelmente de fabrico caseiro, que escorrem cremes cor de gema de ovo, muito açúcar e farinha, muita massa e um número proibitivo de calorias.
E é por causa destes lugarejos inqualificáveis, que em cada dez esquinas ocupam nove, que o lisboeta desenvolveu o vício inútil do cafézinho com o bolinho, do suminho enlatadinho acompanhado do pastelinho servido num pratinho pequenino por um rapazinho magrinho de aventalinho e bandejinha que tem todas as probabilidades de se chamar Zezinho.
Grande verdade, embora um pouco triste é que Lisboa, tão pobre em ideias, é tão rica em pastelarias. Um mal nacional que dá razão a Eça e ao Herman quando dizia, na pele de um pasteleiro: "Eu é mais bolos". Entre bolos e pastéis, venha a moleza e escolha o que mais lhe convém. Vai um Jesuíta?



Crónica de Margarida Rebelo Pinto.