quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O bombeiro.


Desejava que pudesses ver a tristeza de um homem de negócios quando o
trabalho da sua vida desaparece em chamas ou uma família que regressa a casa
e apenas encontrar a sua casa e os seus pertences danificados ou destruídos.
Desejava que pudesses saber o que é procurar num quarto a arder por crianças
presas... As chamas por cima da tua cabeça, as palmas das mãos e os joelhos
a queimaram enquanto tu rastejas... O chão a ranger com o teu peso, enquanto
a cozinha arde por baixo de ti.
Desejava que pudesses compreender o horror de uma esposa quando às 3 da
manhã verifica que o marido não tem pulso... Inicio o S.B.V. (suporte básico
de vida) no mesmo, esperando uma hipótese muito remota de trazê-lo de
volta... Sabendo instintivamente que era tarde demais... Mas querendo que a
família soubesse que tudo o que era possível foi feito.
Desejava que pudesses saber o cheiro único de uma queimadura, o gosto da
saliva com sabor a fuligem... Sentir o intenso calor que passa através do
equipamento, o som dos estalos das chamas, a sensação de não conseguir ver
absolutamente nada através do fumo denso... Sensações que se tornaram muito
familiares para mim...
Desejava que pudesses compreender como nos sentimos ao ir para o trabalho de
manhã após passarmos a maior parte da noite suando com o calor de diversas
chamadas de fogo...
Desejava que pudesses ler o meu pensamento quando respondo a uma chamada
para um edifício a arder, "Será falso alarme ou um enorme incêndio? Como
será a construção do edifício? Que perigos esperam por mim? Estará alguém lá
dentro ou saíram todos?"
"Ou para uma chamada de socorro," o que se passará com o doente? Será que a
pessoa que telefonou está mesmo em apuros ou estará à minha espera com uma
arma?".
Desejava que pudesses estar na sala de reanimação quando o médico decide
anunciar a morte da linda menina de cinco anos que tenho tentado salvar
durante os 25 minutos anteriores, e que nunca irá ter o seu primeiro
namorado, nem nunca mais irá dizer "gosto muito de ti, mãe"...
Desejava que pudesses saber a frustração que sinto na cabina do autotanque,
o motorista com o acelerador a fundo, o meu braço a tocar a sirene vezes sem
conta quando não se consegue passar por um cruzamento ou no meio do
transito. Quando vocês precisam de nós, no entanto, o primeiro comentário
quando chegamos será "levaram muito tempo para cá chegar".
Desejava que pudesses ler os meus pensamentos enquanto ajudo a retirar os
restos de uma jovem do seu veiculo contorcido, "e se fosse a minha irmã, a
minha namorada ou alguma amiga? Qual será a reacção dos seus pais quando
abrirem a porta e verem os policias?"
Desejava que pudesses saber como é entrar em casa e cumprimentar a família
não tendo coragem para lhes dizer que quase não voltei da ultima chamada.
Desejava que pudesses sentir os meus sentimentos quando as pessoas
verbalmente, e às vezes fisicamente, nos maltratam ou subestimam o que
fazemos, ou quando têm a atitude "isto nunca me aconteceria".
Desejava que pudesses perceber a instabilidade mental, emocional e física de
refeições perdidas, sonos perdidos e a falta de actividades sociais
associadas todas as tragédias que os meus olhos já viram.
Desejava que pudesses saber a irmandade que existe e a satisfação de ajudar
a salvar uma vida, a preservar as coisas de alguém, a estar "lá" nos tempos
de crise ou a criar ordem quando existe um caos total.
Desejava que pudesses compreender como nos sentimos quando temos uma criança
a puxar-nos o braço e a perguntar "a minha mãe está bem?" sem sequer de
conseguir olhar nos seus olhos sem deixar cair umas lágrimas e sem saber o
que responder. Ou ter de segurar um amigo de longa data enquanto o seu
companheiro vai na ambulância a receber respiração boca-a-boca. Sabendo de
antemão que ele não trazia o cinto de segurança posto.
Sensações que me ficaram muito familiares...
A menos que tenha vivido este tipo de vida, nunca conseguirás entender
verdadeiramente ou apreciar QUEM EU SOU, O QUE NÓS SOMOS OU O QUE O NOSSO
TRABALHO SIGNIFICA REALMENTE PARA NÓS…

Desejava que pudesses ver...





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